Intertimento

Não se admire ou pense que eu escrevi errado, o nome é "Intertimento" mesmo, algo de significado parecido com entretenimento. O que se busca aqui é interagir com uma linguagem simples e cotidiana, de forma a garantir a todos o entendimento acerca dos assuntos tratados.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Conto

Mãe, um conto para quem não tem preguiça de pensar


Ainda na infância, aqueles amigos umbilicais descobriram-se apaixonados. Juraram-se, acreditaram-se, o relógio adiantou ponteiros, anelaram-se, casaram-se.

Os anos passaram apressados: o desejo queimou o primeiro; a sede bebeu o segundo; a fome comeu o terceiro. Quatro anos e as bocas frias ruminavam; os corpos gritavam em silêncio pelo pequeno corpo que não lhes chegava. À parteira, menos um luz para mostrar; ao padre, uma falta na pia batismal no domingo; ao Mundo, uma ideia negada; ao casal, uma chupeta e dois pesinhos para medir os limites da casa.

Não queriam adquirir choro que não lhe fosse proveniente dos próprios olhos. Acreditavam que, com isso, teriam de se acostumar à vereda que o pequeno desconhecido traria desenhada. Todos os planos davam para um filho; todos os meses davam para o fracasso.

Uma noite, enquanto viam TV na sala, escutaram um choro primário vindo do jardim. Sufocado entre flores e espinhos, formigas e grama úmida, chegou a casa aquele minúsculo ser de olhos ainda fechados.

E por ali descobriu para que servem os pés, subiu as escadas, dormiu sozinho, espremeu a primeira espinha, dormiu junto a uma estranha sorrateira, desceu para ser calouro, subiu com o diploma, beijou os pais, partiu para longe, encontrou o útero que lhe fermentou, libertou-o da prisão, ofereceu-lhe casa, chama-o carinhosamente de“mãe”.

Longe dali, um par de cabelos brancos, ainda de luto, lamenta o que poderia ter sido, e foi.


 Lúcia Costa.


Fonte: http://www.contioutra.com/mae-um-conto-para-quem-nao-tem-preguica-de-pensar/

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